Anorexia Infantil
A anorexia infantil não tem as mesmas causas da anorexia da adolescência, esta de um exacerbado ideal de magreza.
A anorexia infantil é de dois tipos. Um raro, onde a criança apresenta nítidos apavoramentos diante da comida, e conseqüente recusa, juntamente com outras graves perturbações, como insônias severas, comportamentos bizarros, isolamento. E um outro tipo de anorexia, desta vez bastante comum, na qual a vida social da criança é normal. Deste, vou tratar mais demoradamente.Esta anorexia pode começar nos primeiros meses de vida e alastrar-se por anos, até mesmo a idade adulta. Os pais tentam todo tipo de artifício para fazer a criança comer: “um pouquinho para o papai”, “um pouquinho para o ursinho”, cantarolam, contam histórias, outros mostram-se zangados, coagem fisicamente e, na criança um pouco mais velha, aplicam castigos do gênero não sair da mesa enquanto não comer tudo. O fracasso desses métodos é de regra.Qual a causa dessa anorexia? O apetite da criança pequena é mais sensível do que o do adulto. Ela pode momentaneamente perder o apetite por várias razões. Por estar doente, especialmente nas viroses, ou porque começou a alimentação sólida, ou por causa do crescimento dentário. Seus pais ou equivalentes suportam mal ela recusar comer, a idéia de que vai acabar morrendo é quase constante. Imagine você leitor adulto se não está com apetite ― acontece com muito de nós quando estamos deprimidos ― e é forçado a comer uma feijoada. É, digamos, torturante. Na criança, o motivo inicial da perda do apetite deixa de existir, mas a alimentação fica associada à experiência torturante, criando assim uma nova falta de apetite. Diante da mesma situação, aqueles que cuidam da criança repetem e inovam os métodos. E a partir daí forma-se um círculo vicioso. Nas palavras de Leon Kreisler: “O incidente menor tem conseqüências desmesuradas. Não se reconheceu que a recusa inicial era justificada e quiseram forçar a criança a terminar a refeição. A recusa renovou-se e cada participante instalou-se finalmente na sua posição; a anorexia tornou-se um hábito” Este tipo de anorexia também é chamado de anorexia de oposição. Na literatura, fala-se de uma “guerra” entre a mãe e a criança, “greve” por parte desta. De fato, a birra, o “vamos ver quem sai ganhando” vai se cristalizando na criança e aparentemente se torna a motivação, mas não podemos esquecer o fundo traumático da experiência torturante de comer forçado. Faz pouco estive numa festa que era uma comilança, uma criança anoréxica de 8 anos de idade, que conheço, entrou num estado de agitação ansiosa vendo todos aquela quantidade de pratos expostos como se tivesse que comer este tipo de comida em grande quantidade.Na medida em que cresce, a criança anoréxica tende a desenvolver um traço de personalidade, que perdura pela vida afora, pelo qual uma opinião dada por um próximo é sentida como uma ordem: “Vamos ao cinema?” “Não, você não manda em mim”, responderia o anoréxico. A criança anoréxica de oposição é normalmente muito ágil. Seu desenvolvimento motor está à frente das demais crianças. Segundo Michel Fain, isto se deu porque ela quis escapar da coerção da proximidade maior dos primeiros cuidados, notadamente da alimentação no seio ou mamadeira. De fato, essas crianças são um tanto arredias a serem pegas no colo.Uma outra característica dessas crianças é de que falta nelas o medo diante do estranho, típico do desenvolvimento quando a criança chega próximo dos 8 meses. Neste momento, num desenvolvimento típico, a criança diferenciou seu núcleo familiar, do qual depende, do resto das pessoas e teme que a pessoa desconhecida vá tirá-la dos íntimos. Para entendermos essa diferença, vamos fazer algumas considerações. Comer junto une as pessoas, sela uma união. Veja as confraternizações, a festa de Natal (que recompõe os laços familiares), os almoços entre homens de negócios, que os fazem melhor fluir. Segundo Brazelton: “Conforme ele [o bebê] aprende a ficar sentado e a se alimentar sozinho e compartilha suas primeiras palavras com você [mãe], as refeições feitas em família podem se tornar um momento agradável de proximidade para substituir o acalanto íntimo possível com o aleitamento no peito”. Portanto, a intimidade familiar parece derivar, entre outros, da intimidade em comer juntos que, por sua vez, deriva da intimidade do aleitamento. Como esta derivação é problemática no anoréxico, ele quer distanciar-se da intimidade, e então a figura do estranho não se constitui como pólo de oposição a um refugo familiar. Não raro vermos uma anorexia infantil transformar-se em obesidade por volta dos 7, 8 anos de idade. A oposição cede ao mesmo tempo em que o traço de caráter de negativismo e rebeldia a que nos referimos. Mas um remanescente da recusa alimentar permanece na forte seletividade do que a criança gosta de comer. A criança acaba dobrando-se a vontade dos pais. De acordo com minha experiência, a partir desse momento, a criança tem uma noção mais realista da morte e assimila o medo da mãe ou dos pais de que fosse morrer por alimentar-se pouco. É importante considerarmos isto, porque a obesidade que se forma é mantida pelo medo da morte.A anorexia de oposição cede com certa facilidade, se os pais mudam os métodos: deixar de empregar artifícios ou a coerção física ou castigos. O médico pediatra, psiquiatra infantil ou psicólogo podem orientá-los. Numa criança maior, o essencial é os pais ficarem indiferentes à sua alimentação, não se incomodarem com a recusa em comer, nem mesmo falarem mais de comida, deixar a criança à vontade. O fator mais difícil está no médico e no psicólogo tranqüilizarem os pais de que o filho não vai ficar doente, nem morrer. Numa criança menor, segundo Kreisler, deve-se “excluir todo alimento deliberadamente recusado; permanecer inferior em quantidade aquilo que é aceito habitualmente” de forma que “os papéis são invertidos, e a criança colocada na posição de quem pede”. Querendo seguir essas orientações, ou outras semelhantes, os pais devem ser acompanhados pelo médico e pelo psicólogo, para a orientação de cada momento. Que este pequeno artigo sirva para os pais saberem que o problema resolve-se com certa facilidade. *Dr. Wilson de Campos Vieira é psicanalista, formado em filosofia e psicologia, mestre pela Sorbonne (Paris) e doutor pela UNICAMP, foi professor da USP, trouxe a psicossomática da Escola de Paris para o Brasil, criou e coordenou o curso de psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae, vários artigos publicados em livros e revistas científicas, dá curso de especialização em psicologia na
A anorexia infantil é de dois tipos. Um raro, onde a criança apresenta nítidos apavoramentos diante da comida, e conseqüente recusa, juntamente com outras graves perturbações, como insônias severas, comportamentos bizarros, isolamento. E um outro tipo de anorexia, desta vez bastante comum, na qual a vida social da criança é normal. Deste, vou tratar mais demoradamente.Esta anorexia pode começar nos primeiros meses de vida e alastrar-se por anos, até mesmo a idade adulta. Os pais tentam todo tipo de artifício para fazer a criança comer: “um pouquinho para o papai”, “um pouquinho para o ursinho”, cantarolam, contam histórias, outros mostram-se zangados, coagem fisicamente e, na criança um pouco mais velha, aplicam castigos do gênero não sair da mesa enquanto não comer tudo. O fracasso desses métodos é de regra.Qual a causa dessa anorexia? O apetite da criança pequena é mais sensível do que o do adulto. Ela pode momentaneamente perder o apetite por várias razões. Por estar doente, especialmente nas viroses, ou porque começou a alimentação sólida, ou por causa do crescimento dentário. Seus pais ou equivalentes suportam mal ela recusar comer, a idéia de que vai acabar morrendo é quase constante. Imagine você leitor adulto se não está com apetite ― acontece com muito de nós quando estamos deprimidos ― e é forçado a comer uma feijoada. É, digamos, torturante. Na criança, o motivo inicial da perda do apetite deixa de existir, mas a alimentação fica associada à experiência torturante, criando assim uma nova falta de apetite. Diante da mesma situação, aqueles que cuidam da criança repetem e inovam os métodos. E a partir daí forma-se um círculo vicioso. Nas palavras de Leon Kreisler: “O incidente menor tem conseqüências desmesuradas. Não se reconheceu que a recusa inicial era justificada e quiseram forçar a criança a terminar a refeição. A recusa renovou-se e cada participante instalou-se finalmente na sua posição; a anorexia tornou-se um hábito” Este tipo de anorexia também é chamado de anorexia de oposição. Na literatura, fala-se de uma “guerra” entre a mãe e a criança, “greve” por parte desta. De fato, a birra, o “vamos ver quem sai ganhando” vai se cristalizando na criança e aparentemente se torna a motivação, mas não podemos esquecer o fundo traumático da experiência torturante de comer forçado. Faz pouco estive numa festa que era uma comilança, uma criança anoréxica de 8 anos de idade, que conheço, entrou num estado de agitação ansiosa vendo todos aquela quantidade de pratos expostos como se tivesse que comer este tipo de comida em grande quantidade.Na medida em que cresce, a criança anoréxica tende a desenvolver um traço de personalidade, que perdura pela vida afora, pelo qual uma opinião dada por um próximo é sentida como uma ordem: “Vamos ao cinema?” “Não, você não manda em mim”, responderia o anoréxico. A criança anoréxica de oposição é normalmente muito ágil. Seu desenvolvimento motor está à frente das demais crianças. Segundo Michel Fain, isto se deu porque ela quis escapar da coerção da proximidade maior dos primeiros cuidados, notadamente da alimentação no seio ou mamadeira. De fato, essas crianças são um tanto arredias a serem pegas no colo.Uma outra característica dessas crianças é de que falta nelas o medo diante do estranho, típico do desenvolvimento quando a criança chega próximo dos 8 meses. Neste momento, num desenvolvimento típico, a criança diferenciou seu núcleo familiar, do qual depende, do resto das pessoas e teme que a pessoa desconhecida vá tirá-la dos íntimos. Para entendermos essa diferença, vamos fazer algumas considerações. Comer junto une as pessoas, sela uma união. Veja as confraternizações, a festa de Natal (que recompõe os laços familiares), os almoços entre homens de negócios, que os fazem melhor fluir. Segundo Brazelton: “Conforme ele [o bebê] aprende a ficar sentado e a se alimentar sozinho e compartilha suas primeiras palavras com você [mãe], as refeições feitas em família podem se tornar um momento agradável de proximidade para substituir o acalanto íntimo possível com o aleitamento no peito”. Portanto, a intimidade familiar parece derivar, entre outros, da intimidade em comer juntos que, por sua vez, deriva da intimidade do aleitamento. Como esta derivação é problemática no anoréxico, ele quer distanciar-se da intimidade, e então a figura do estranho não se constitui como pólo de oposição a um refugo familiar. Não raro vermos uma anorexia infantil transformar-se em obesidade por volta dos 7, 8 anos de idade. A oposição cede ao mesmo tempo em que o traço de caráter de negativismo e rebeldia a que nos referimos. Mas um remanescente da recusa alimentar permanece na forte seletividade do que a criança gosta de comer. A criança acaba dobrando-se a vontade dos pais. De acordo com minha experiência, a partir desse momento, a criança tem uma noção mais realista da morte e assimila o medo da mãe ou dos pais de que fosse morrer por alimentar-se pouco. É importante considerarmos isto, porque a obesidade que se forma é mantida pelo medo da morte.A anorexia de oposição cede com certa facilidade, se os pais mudam os métodos: deixar de empregar artifícios ou a coerção física ou castigos. O médico pediatra, psiquiatra infantil ou psicólogo podem orientá-los. Numa criança maior, o essencial é os pais ficarem indiferentes à sua alimentação, não se incomodarem com a recusa em comer, nem mesmo falarem mais de comida, deixar a criança à vontade. O fator mais difícil está no médico e no psicólogo tranqüilizarem os pais de que o filho não vai ficar doente, nem morrer. Numa criança menor, segundo Kreisler, deve-se “excluir todo alimento deliberadamente recusado; permanecer inferior em quantidade aquilo que é aceito habitualmente” de forma que “os papéis são invertidos, e a criança colocada na posição de quem pede”. Querendo seguir essas orientações, ou outras semelhantes, os pais devem ser acompanhados pelo médico e pelo psicólogo, para a orientação de cada momento. Que este pequeno artigo sirva para os pais saberem que o problema resolve-se com certa facilidade. *Dr. Wilson de Campos Vieira é psicanalista, formado em filosofia e psicologia, mestre pela Sorbonne (Paris) e doutor pela UNICAMP, foi professor da USP, trouxe a psicossomática da Escola de Paris para o Brasil, criou e coordenou o curso de psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae, vários artigos publicados em livros e revistas científicas, dá curso de especialização em psicologia na
Dr. Wilson de Campos Vieira
clínica CADE - Centro de Atividades, Desenvolvimento e Estudos (telefone: 12 3921-8680), em São José dos Campos.