2.6. O POSSÍVEL E O NECESSÁRIO NA CONSTRUÇÃO DA LINGUA ESCRITA:

A compreensão da língua escrita depende da construção de um sistema convencional (relativamente estável) regido por necessidades, possibilidades e impossibilidades, conforme nos explica Macedo:

Alfabetizar é construir um sistema ao qual podem-se combinar de diferente modos, produzindo silabas, palavras, sentenças ou períodos. Esse sistema é composto por estruturas de relações semânticas, sintáticas, morfológicas, graças as quais pode-se construir um real simbólico socialmente compartilhável, por um jogo de correspondências e transformações no nível de seus significantes e significados. Trata-se de um real porque nele vivem juntos objetos (letras, palavras, frases etc.) dispostos em um espaço (da palavra com relação as letras; da frase com relação às palavras; do período com relação às frases etc.) cujas relações determinam um jogo de transformações (causalidade) temporalmente determinadas.
Alfabetizar-se é, também, construir um sistema de impossibilidades de combinações (exclusões) no espaço e no tempo, entre letras, palavras ou frases, e estas impossibilidades geram contradições. Em outros termos, deve-se saber o que precisa ser excluído, o que não pode ser feito por oposição ao que precisa sê-lo. (1991, citado por COLELLO, 1995, p.38).

É preciso considerar que os ingredientes básicos para a construção da língua escrita estão disponíveis (embora em quantidade e qualidade variáveis) no meio ou nas múltiplas experiências dos indivíduos com os outros ou com as coisas. Para a criança, o grande desafio é fazer das informações difusas peças significativas na consideração das suas hipóteses. Cada um aproveita as informações do contexto de acordo com os seus recursos cognitivos. Sendo assim, as necessidades, possibilidades e impossibilidades do sistema convencional não são dados imediatos para aquele que se alfabetiza: durante um longo período, o sujeito terá que enfrentar os seus possíveis e necessários, de acordo com os sistemas criados, particulares e provisórios (COLELLO, 1995, p.38).
Por um lado, as possibilidades e necessidades do sistema convencional são vividos em diferentes níveis (e com diferentes intensidades) pelas crianças; por outro, os sistemas por elas inventadas têm as suas próprias necessidades e possibilidades, muitas vezes estranhas ao sistema socialmente compartilhado. No jogo da construção da escrita, os dados convencionais (aquilo que os professores consideravam como sendo o correto) tornam-se mais ou menos significativos (possíveis), relevantes ou indispensáveis (necessários), ou até contraditórios (impossíveis) à medida que se chocam com imposição de caráter puramente pessoal.
Em outras palavras, podemos dizer que na trajetória de aproximação do objeto cognoscível, a criança pode estar o tempo todo enfrentando o mesmo objeto, no caso, a escrita, embora a sua significação seja passível de diferentes interpretações ao longo da evolução. A consideração das possibilidades e necessidades no ato da escrita (isto é, na produção ou na interpretação) revela, antes de tudo, o modo como o indivíduo opera com esse objeto de conhecimento (COLELLO, 1995, p.39).
Abrir mão do seu ponto de vista, isto é, das suas concepções e hipóteses, buscar novas formas de escrever ou de resolver contradições geradas pelos sistemas provisórios de escrita, admitir outras possibilidades de operar com o sistema são meios de se aproximar da forma convencional de escrita e, portanto, meios de evoluir.

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