2.5. O ERRO CONSTRUTIVO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO:

Conforme COLELLO (1995, p. 35), logo no início de sua carreira, Piaget, trabalhando com testes de inteligência, ficou intrigado ao constatar o mesmo tipo de "respostas estranhas" em crianças de uma mesma faixa etária, mas desconhecida entre si. Mais surpreendente ainda foi verificar que, mesmo sem qualquer tipo de correção, essas reações desapareciam depois de um determinado período, dando lugar a outros tipos de respostas, em geral, eram mais evoluídas. Nasceu aí a tentativa de compreender a lógica do erro e a sua relação com a construção do conhecimento.
A conclusão que se pode tirar depois de tantos estudos feitos é a de que, por trás dessas "respostas estranhas" apresentadas pela criança em diferentes momentos da evolução, há um esforço cognitivo a ser considerado. Mesmo que "incorretas" com relação ao padrão convencional de comportamento ou sistema, tais respostas não são aleatórias nem ignorantes. Muito pelo contrário, elas se configuram como "erros construtivos", naturais e necessários no processo de construção do conhecimento. Naturais porque ocorrem com todas as crianças; necessárias porque favorecem a evolução do processo em questão. É nesse sentido que se pode compreender a afirmação de Piaget:
[...]
do ponto de vista da invenção, um erro corrigido pode ser mais fecundo que um êxito imediato, porque a comparação da hipótese falsa e suas conseqüências proporciona novos conhecimentos e a comparação entre erros dá lugar a comparação entre erros dá lugar a novas idéias. (1987), citado por COLELLO (1995, p.36).
Exemplos de erros construtivos podem ser encontrados nos mais diversos aspectos do conhecimento humano, sejam eles no plano pessoal ou na trajetória da própria humanidade. A história da ciência é repleta de passagens em que os erros foram fundamentais para as grandes descobertas, como bem aponta COLELLO (1995, p.36).
A evidência dos erros construtivos no âmbito da aprendizagem da escrita funcionou como um forte impacto para uma escola bastante exigente nos seus parâmetros de correção. Isso porque:
Interpretar em termos de certo ou errado (em relação ao modelo adulto) os esforços iniciais para compreender, é negar-se a ver os processos e intenções que possibilitam a avaliação dos resultados (Ferreiro, 1986, citado por COLELLO, 1995,p.36).
Quando o professor se propõe a compreender como o aluno representa ou interpreta a escrita, ele se depara com uma produção bastante criativa. Com efeito, nenhum informante alfabetizado poderia ter ensinado a criança que "só se pode ler um texto quando ele estiver acompanhado de uma ilustração que dê subsídios à interpretação do que está escrito" (COLELLO, 1995, p.36). No entanto, essa é uma concepção bastante comum entre as crianças não alfabetizadas.
Conforme COLELLO (1995, p. 37), os erros infantis são sustentados por hipóteses criativas que se transformam e evoluem, não pela repressão do erro (como pretendiam as tradicionais metodologias de alfabetização), mas pela compreensão da sua inconsistência no sistema, o que resulta na superação dessas idéias.
A maior parte dos erros que antes parecia como "algo estranho" na produção ou interpretação da escrita infantil, hoje pode se interpretado como sinônimo de genialidade, de avanço e de conhecimento lingüístico. Inaugura-se, assim, um "novo conceito de saber", distinto dos padrões convencionais, mas igualmente merecedor do nosso respeito (COLELLO, 1995, p.37).

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