Ensino da letra cursiva para crianças em alfabetização divide as opiniões
Todos sabem minha luta contra a exigencia de letra cursiva nas séries iniciais,aqui esta mais uma publicação sobre o assunto
Deve-se
ou não exigir que as crianças escrevam com letra cursiva? A questão, que
divide educadores e semeia insegurança entre pais, está -- ao lado da
pergunta sobre o ensino da tabuada-- entre as mais ouvidas pela
consultora em educação e pesquisadora em neurociência Elvira Souza Lima.
A resposta, porém, não é trivial.
Quatro
ou cinco décadas atrás, a dúvida seria inconcebível. Escrever à mão era
só em cursiva e, para garantir que a letra fosse legível, os alunos eram
obrigados desde cedo a passar horas e horas debruçados sobre os
cadernos de caligrafia.
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem |
A profesora Silvana D'Ambrosio, do colégio Sion, na cidade de São Paulo, ajuda o aluno Mateus Yoona fazer letra cursiva |
Veio,
contudo, a pedagogia moderna, em grande parte inspirada no
construtivismo de Piaget, e as coisas começaram a mudar. O que importava
era que o aluno descobrisse por si próprio os caminhos para a
alfabetização e a escrita proficiente. Primeiro os professores deixaram
de cobrar aquele desenho perfeito. Alguns até toleravam que o aluno
levantasse o lápis no meio do traçado. Depois os cadernos de caligrafia
foram caindo em desuso até quase desaparecer.
O
segundo golpe contra a cursiva veio na forma de tecnologia. A
disseminação dos computadores contribuiu para que a letra de imprensa,
já preponderante, avançasse ainda mais. Manuscrever foi-se tornando um
ato cada vez mais raro.
No que
parece ser o mais perto de um consenso a que é possível chegar, hoje a
maior parte das escolas do Brasil inicia o processo de alfabetização
usando apenas a letra de forma, também chamada de bastão.
Tal
preferência, como explica Magda Soares, professora emérita da Faculdade
de Educação da UFMG, tem razões de desenvolvimento cognitivo,
linguístico: "No momento em que a criança está descobrindo as letras e
suas correspondências com fonemas, é importante que cada letra mantenha
sua individualidade, o que não acontece com a escrita "emendada' que é a
cursiva; daí o uso exclusivo da letra de imprensa, cujos traços são
mais fáceis para a criança grafar, na fase em que ainda está
desenvolvendo suas habilidades motoras".
O que os
críticos da cursiva se perguntam é: se essa tipologia é cada vez menos
usada e exige um boa dose de esforço para ser assimilada, por que perder
tempo com ela? Por que não ensinar as crianças apenas a reconhecê-la e
deixar que escrevam como preferirem? Essa é a posição do linguista
Carlos Alberto Faraco, da Universidade Federal do Paraná, para quem a
cursiva se mantém "por pura tradição". "E você sabe que a escola é cheia
de mil regras sem qualquer sentido", acrescenta.
A
pedagoga Juliana Storino, que coordena um bem-sucedido programa de
alfabetização em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte,
é ainda mais radical: "Acho que ela [a cursiva] é uma das responsáveis
pelo analfabetismo em nosso país. As crianças além de decodificar o
código da língua escrita (relação fonema/ grafema) têm também de
desenvolver habilidades motoras específicas para "bordar' as letras. O
tempo perdido tanto pelo aluno, como pelo professor com essa prática,
aliada ao cansaço muscular, desmotivam o aluno a aprender a ler e muitas
vezes emperram o processo".
Esse
diagnóstico, entretanto, está longe de unânime. O educador João Batista
Oliveira, especialista em alfabetização, diz que a prática da caligrafia
é importante para tornar a escrita mais fluente, o que é essencial para
o aluno escrever "em tempo real" e, assim, acompanhar a escola. E por
que letra cursiva? "Jabuti não sobe em árvore: é a forma que a
humanidade encontrou, ao longo do tempo, de aperfeiçoar essa arte", diz.
Magda
Soares acrescenta que a demanda pela cursiva frequentemente parte das
próprias crianças, que se mostram ansiosas para começar a escrever com
esse tipo de letra. "Penso que isso se deve ao fato de que veem os
adultos escrevendo com letra cursiva, nos usos quotidianos, e não com
letras de imprensa".
Para
Elvira Souza Lima, que prefere não tomar partido na controvérsia, "os
processos de desenvolvimento na infância criam a possibilidade da
escrita cursiva". A pesquisadora explica que crianças desenhando formas
geométricas, curvas e ângulos são um sério candidato a universal humano.
Recrutar essa predisposição inata para ensinar a cursiva não constitui,
na maioria dos casos, um problema. Trata-se antes de uma opção
pedagógica e cultural.
Souza Lima,
entretanto, lança dois alertas. O tempo dedicado a tarefas
complementares como a cópia de textos e exercícios de caligrafia não
deve exceder 15% da carga horária. No Brasil, frequentemente, elas
ocupam bem mais do que isso.
Ainda mais
importante, não se deve antecipar o processo de ensino da escrita. Se se
exigir da criança que comece a escrever antes de ela ter a maturidade
cognitiva e motora necessárias (que costumam surgir em torno dos sete
anos) o resultado tende a ser frustração, o que pode comprometer o
sucesso escolar no futuro.
O que a ciência tem a dizer sobre isso?
Embora o processo de alfabetização venha recebendo grande atenção da
neurociência, estudos sobre a escrita são bem mais raros, de modo que
não há evidências suficientes seja para decretar a morte da cursiva,
seja para clamar por sua sobrevida.
Há
neurocientistas, como o canadense Norman Doidge, que sustentam que a
escrita cursiva, por exigir maior esforço de integração entre áreas
simbólicas e motoras do cérebro, é mais eficiente do que a letra de
forma para ajudar a criança a adquirir fluência.
Outra
corrente de pesquisadores, entretanto, afirma que, se a cursiva
desaparecer, as habilidades cognitivas específicas serão substituídas
por novas, sem maiores traumas.
Retirado do site: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u736314.shtml
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